Otaku Neoclássico #1: Kara no Kyoukai
2 de jul. de 2011
Todo ano dezenas de animes são lançadosno Japão e dentre esses apenas alguns alcançam uma grande projeção fora da Ásia. Muitas porcarias felizmente são esquecidas, entretanto algumas obras muito boas também são deixadas de lado por N motivos. Um desses injustiçados é Kara no Kyoukai: The Garden of Sinners (algo como Fronteira do Vazio: O Jardim dos Pecadores).

Publicada pela primeira vez em 1998, a Light Novel que deu origem à série foi escrita por Kinoko Nasu e ilustrada por Takeuchi Takashi (dupla que anos depois formaria a Type-Moon e lançaria outras obras famosas como Tsukihime e Fate/Stay Night), foi adaptada entre 2007 e 2009 numa série de sete filmes para o cinema (oito se contarem com a versão resumo Gate of Seventh Heaven) e ganhou um OVA em 2011.

A história gira em torno de Ryougi Shiki, uma jovem que acorda com amnésia após passar dois anos em coma. Ela descobre também ter obtido o Chokushi no Magan (a tradução oficial é “Olhos Místicos da Percepção da Morte”) com o qual ela pode enxergar a morte de tudo. Ela passa então a trabalhar num pequena agência, tentando desvendar uma série de acontecimentos anormais envolvendo diversos assassinatos enquanto procura uma razão para viver.

Lendo a premissa, muitos podem pensar que o poder de ver as linhas da morte é só algum tipo de visão do futuro, entretanto o Chokushi no Magan é muito mais que isso. Ao cortar uma das linhas, Shiki destrói a ligação entre o objeto atingido e a raiz de tudo, encerrando assim sua existência.

Apesar da – ótima – trama, o grande ponto alto dos filmes são seus questionamentos. Assuntos como assassinatos, uso de drogas, violência e incesto são tratados de um modo seco, embora filosófico, e, por se tratar de uma história passada na década de 1990, a presença dos males da civilização moderna é constante. Toda a obra tenta mostrar uma sociedade de morais decadentes onde o crime se espalha com voracidade por baixo dos olhos de todos. Algumas imagens são extremamente fortes com cenas de mutilações e estupros on screen, o que de certo modo é esperado num anime onde a morte é um dos assuntos principais, mas que ainda assim deve ser apontado.

Outro ponto alto do anime é a dupla personalidade de Shiki. Embora seja mostrado pouco na série, as consequências desse transtorno se estendem por todo o resto da série, levando a profundidade do personagem um nível acima. É interessante ver como as duas personalidades feminina (grafada 両儀式) e masculina (grafada 両儀織) são diferentes tanto no jeito da voz como no modo de falar. Um trabalho excepcional da Seyuu e cantora Maaya Sakamoto superado apenas pelo sempre genial Nakata Jouji (o cara que faz a voz de todo vilão de preto da Type-Moon) no papel de Araya Souren.

Tecnicamente falando, a série é impecável. A trilha sonora de todos os filmes foi feita pela famosa compositora Yuki Kajiura (Puella Magi Madoka Magica, Mai-Hime, Tsubasa Reservoir Chronicle) e utiliza de uma mistura de pop japonês com cânticos em uma língua inventada (!) que combinam muito bem com os cenários que mesclam de maneira perfeita animação 2D e 3D, criando assim um ambiente rico em imagens e sons.

A animação é de uma qualidade primorosa a ponto de permitir que um espectador mais atento perceba a movimentação das peças individuais de roupa e dos cabelos dos personagens. As – poucas – cenas de lutas são tão fluidas e bem coreografadas que deixariam qualquer Shonen moderno vermelho de vergonha, até mesmo aqueles que trocam de traço na hora H.

Os filmes foram exibidos em San Francisco em 2011 para divulgação de uma versão Blu-ray de luxo (que nunca será lançada no Brasil) com todos os sete filmes, o epílogo, a versão remixada e mais uma quantidade enorme de extras, totalizando mais de 640 minutos d material. Tudo pela bagatela de US$ 598,98 (e ainda assim todas as cópias foram vendidas em menos de um mês!!). No Brasil, vez ou outra a série dá as caras em eventos de anime por aí e acaba atraindo a atenção de quem a vê, embora nunca alcance toda a projeção que merece.

Kara no Kyoukai é para aqueles que dizem que a indústria deixou de produzir obras adultas de qualidade. Com uma trama elaborada, uma abordagem agressiva de assuntos polêmicos e qualidades técnicas memoráveis, não é sem motivo que muitos consideram esse anime um verdadeiro clássico moderno.

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